A normalização e relativização da obesidade

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Tenho percebido uma tendência atual de NORMALIZAÇÃO da doença obesidade. Antes que venham dizer algo, aqui estou falando de OBESIDADE, e não de quilinhos a mais, uma barriguinha saliente, ou qualquer padrão de beleza ESTÉTICO imposto que não influencia na saúde do paciente. Acredito que devemos ter muito cuidado com o discurso de aceitação travestido de normalização da obesidade. E aqui já vai a primeira provocação reflexiva para quem acha legal um outdoor trazer uma modelo com obesidade grau 3. Você aplaudiria uma capa de revista com uma modelo anoréxica? Por quê acha bacana a representatividade de uma outra doença extrema? Ambas levam ao aumento de risco de diversas patologias e redução da expectativa de vida com risco de morte precoce.

Enquanto que desde os anos 1980, o uso de modelos magras demais na publicidade tem causado uma crise de baixa autoestima, encorajando dietas radicais que prejudicam a saúde e promovem desordens alimentares. O outro lado da moeda também me causa preocupação, com a utilização de modelos com grau 3 de obesidade e a glamourização de seus hábitos alimentares, como a ingestão de grandes porções, e a sobrevalorização de suas curvas em excesso, como tenho visto na mídia ultimamente.
Do ponto de vista da saúde, a normalização da obesidade traz vários riscos, sendo que o maior deles é uma espécie de miopia social. Em que em um mundo cada vez mais doente, os indivíduos com obesidade e a sociedade como um todo deixaria de enxergar a obesidade como uma doença, retardando o diagnóstico e a busca por tratamento.

Afinal se cada dia vejo mais pessoas iguais a mim, já não me sinto diferente e então agora já posso me considerar normal. Acredito que grande parte desse aplauso para o padrão oposto de excesso de peso é decorrente da ignorância em reconhecer a obesidade como uma doença. E também da necessidade, JUSTIFICADA, de busca por respeito e empatia por parte desse segmento da população ( 20% dos brasileiros está com obesidade), que sofre com tanto preconceito como já venho alertando há tempos aqui nas redes sociais, na chamada OBESOFOBIA, que também revela uma ignorância sem tamanho – por partes dos que julgam – em reconhecer a obesidade como uma doença e não como uma escolha.

Na minha visão como médico, NÃO SE DEVE APLAUDIR E NEM CRITICAR NENHUMA DOENÇA. Doenças requerem apoio, suporte e tratamento, seja no extremo da anorexia, seja no extremo da obesidade. Representatividade deve ser buscada por grupos que sofrem preconceito fruto de características que não são doenças (racismo,homofobia,xenofobia, antissemitismo , etc). Nenhum desses grupos terá maior chance de vários tipos de câncer, de doenças cardiovasculares e de morte precoce por isso. Pode haver com certeza nesses casos, prejuízo na saúde decorrentes do preconceito, discriminação e prejuízos sociais. Acredito que boa parte dessa normalização também é fruto de uma indústria de diversos segmentos que quer lucrar com a doença obesidade, ALTAMENTE PREVALENTE. Alguns argumentam que todos devemos nos aceitar e sermos felizes – concordo plenamente. A felicidade deve ser buscada por todos, independente da condição de saúde. Apesar que comprovadamente, qualquer doença física pode comprometer nossos níveis de felicidade. Mas na minha visão de médico, a negação da patologia atrasa a busca por um tratamento adequado. Sabemos que nenhum tratamento deve ser imposto e o paciente que responde por si sempre terá a autonomia de aceitar ou não determinado tratamento. Um paciente oncológico pode optar por não receber o tratamento proposto.

Da mesma forma um paciente com obesidade pode e tem o direito de não querer se tratar. Após o diagnóstico de um câncer, podem suceder algumas fases: negação, revolta e aceitação. O paciente que permanece na negação pode ter seu tratamento atrasado e perder tempo precioso de vida. Voltando a obesidade, quanto antes o paciente para de negar o problema e o aceita, a busca por ajuda será mais precoce. Então se aceitar como obeso é fundamental, se amar sendo obeso é fundamental. É com amor próprio e eliminando a autocrítica que você pode ter forças para buscar ajuda. PORÉM, NORMALIZAR a doença como sendo um padrão estético nada mais é que negação e cegueira. Obesidade grau 3 pode reduzir em até 15 anos a expectativa de vida do doente. Portanto, quanto antes reconhecer o problema e buscar ajuda, melhor! E aqui já deixo bem claro, o mercado da moda deve sim fazer peças e vestuários para esse segmento cada vez mais prevalente da população ter a possibilidade de se vestir com qualidade. Dignidade de encontrar uma peça com o seu tamanho quando for em alguma loja é fundamental. Mas o que me causa angustia é a midiatização cada vez mais prevalente da normalização da doença, sem alertas e um trabalho de conscientização conjunto. Acredito que podemos ver claramente as duas extremidades de um cabo de guerra de ignorância que pode estar alimentando essa questão: de um lado a ignorância dos que julgam a obesidade como escolha, com seus discursos inapropriados e tóxicos( “É gordo pois é preguiçoso.

É gordo pois não tem força de vontade. É tão linda, pena que está gorda.”) e do outro lado, uma grande parcela da população que está obesa e que busca por mais empatia para o seu problema e se sentir representada, de maneira justa. Meu papel como médico especialista no tratamento da Obesidade é falar para um extremo: “ parem com comentários tóxicos sobre o peso das pessoas, parem de associar magreza excessiva a beleza e excesso de peso com a falta dela, parem de fazer isso desde a infância dessas crianças”, e para o outro extremo: “muito cuidado para que não se deixem influenciar por uma cegueira em relação a sua própria saúde, por estarem em um mundo cada vez mais doente. Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente.” Não sou a favor de capas de revistas enaltecendo pessoas anoréxicas nem tampouco pessoas obesas. Dentro de um padrão saudável, deveriam sim estimular corpos saudáveis de mulheres REAIS com suas imperfeições.

O equilíbrio sempre estará no meio. Desejo que a informação, que extermina a mais profunda ignorância, vença esse cabo de guerra. Que os julgadores tornem-se mais empáticos. E que os que sofrem com a estigmatizada obesidade não sejam acometidos pela negação do próprio problema, cegos pelas vendas da necessidade de se verem representados.

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Sobre Dr. Bruno Cosme

Sobre Dr. Bruno Cosme

Dr Bruno Cosme é especialista em Medicina do Estilo de Vida e no tratamento da obesidade. Ele acredita que a chave para reverter a atual epidemia de doenças crônicas é a alfabetização científica. Ele cria textos educativos para ajudar as pessoas a recuperar a sua saúde através da alimentação e estilo de vida saudável, tentando simplificar a informação científica para causar impacto na decisão individual de ter saúde.

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